Quando tudo começou ninguém tentou inibir nenhuma sensação. Aos poucos as cores foram tomando corpo e se transformando em contrastes que ofuscavam a consciência ainda entre aberta.
A fenda na porta estava anunciando que algo estava por chegar. Mas não se exalte amigo leitor, nessa historia nada vai surpreendê-lo.
Espere, já vou contar o que aconteceu.
Mas não espere nada que vá transformar a sua vida, não espere que nada de extraordinário aconteça dentro de você.
Pois bem, a fenda da porta entre aberta não te causará surpresa, não te deixará ansioso, não causará nada. Apenas uma historia comum. Simples e verdadeira.
O vento soprava alto pela fenda de uma das janelas da sala. O som estridente fez com que a moça deitada no sofá acordasse. Ela dormia compulsivamente, fazia da vida uma eterna repetição robotizada e sem emoção. Chagava do trabalho e ia direto pro prato de sopa, um copo com água gelada, um pão com manteiga e depois o esperado sofá. Deitava, e de lá assistia um pouco – as primeiras noticias apenas – do Jornal Nacional e dormia o sono dos justos.
Naquele dia o som do vento a acordou. Ela abriu os olhos, limpou o canto da boca, foi ao banheiro, lavou o rosto, pegou os óculos na mesinha da sala, repleta de elefantinhos, de xícaras pequenas de porcelana e três ou quatro cinzeiros devidamente limpos. Ela nunca fumou. - Deixava ali os cinzeiros caso alguém quisesse fumar, embora ela nunca recebesse visitas. A não ser uns tempos em que ela teve um flerte com um corretor de seguros. O romance acabou por que o homem roubou umas jóias que ela tinha. - Uma propaganda na televisão chamou sua atenção, mas um grande e gostoso bocejo a fez rapidamente se desligar do aparelho. Ela não desligou a televisão, só não tinha mais foco. Agora sua atenção voltava-se pro quarto. Ela percebeu por uma fenda na porta, a luz acesa. Olhou pra mesa de jantar, redonda com uma toalha com desenhos de temática portuguesa.- Uns galos pretos e verdes. Em cima da mesa, o prato de sopa vazio, migalhas de pão, o copo de água pela metade. Na cadeira, quando olhou de soslaio percebeu que suas roupas - as que tinha chegado do trabalho – estavam todas lá.
Rapidamente pensou: eu não entrei no quarto.
Estacou de medo. Na cabeça milhões de pensamentos. Pensou em ligar pra policia, pensou em invadir o quarto, pensou em muitas coisas. Correu pra cozinha e interfonou ao porteiro. Pediu que ele subisse depressa. Na porta estava a mulher de camisola rosa puída pelo tempo e pelo sofá. O porteiro cujo nome ela nem sabia, na porta, parecia tranqüilo de que tudo estava certo. Ela explicou rapidamente a situação ao porteiro que se apresentou José. E José temeroso, depois de toda a historia, foi caminhando lentamente em direção ao quarto. Colocou o ouvido na parede por alguns segundos. Nada. Em silêncio balançou a cabeça pra ela. Ela não parecia estar contente e apontou pro quarto. Ele colocou o ouvido na porta do quarto e de lá ouviu-se um barulho. Parecia um barulho de cão, ou algum rosnado parecido. Ela quis gritar, mas se conteve por que José colocava a mão pra calar-lhe a boca. Ainda ocultando a voz dela, José mais uma vez aproximou o ouvido da porta. Outro rosnado. Ou algo parecido.
A essa altura ela não se preocupava mais com o barulho, não se interessava tanto com o que acontecia no quarto. O coração dela batia acelerado, mas agora já não mais pela interrogação que habitava o pensamento antes. Aquela mão na boca, aquele toque de uma mão masculina nos lábios faziam-na relembrar tempos em que a vida não era só uma eterna repetição de fatos e dias. E noites. E cochilos no sofá. Aquela mão a fez recordar os banhos de chuva, as bebedeiras as terças feiras sem motivos, os amigos, a filha, a alegria, a vida. Há muito tempo não sentia aquele frio na barriga, há tempos não sentia as mãos suar. Ela pensou em mil coisas impublicáveis.
- Acho que é um Morcego. José falou aos sussurros.
- O que?
- Um morcego. A senhora deixou a janela aberta?
- Depois de uns dez segundos ou mais ela entendeu sobre o que ele falava.
- É, talvez.
José entrou pelo quarto, entrou embaixo da cama.
Ela ficou parada olhando o homem entrar embaixo da cama e salvar a donzela indefesa do dragão que habitava sua torre. Experimentava uma sensação desconhecida, pensava ou repensava toda sua vida.
De repente um vulto passou por ela, bateu no armário e enfim voou pela janela aberta.
- Consegui. José deixava escapar um sorriso orgulhoso de vitória.
Ela olhava pra ele com olhos marejados.
- Muito obrigada!
- Até.
Ele se dirigiu a porta, ela ainda pensou em pedir pra ele ficar, mas não o fez. Da porta José apenas naquele momento percebeu a camisola que ela usava. Ele também percebeu que ela o notara. Os dois se olharam num clima que não sabiam bem o que era.
- A senhora não quer me oferecer uma café? José dizia com muita vergonha.
Ela parou, respirou fundo.
- Não. Eu tô sem pó.
- Ta. Tchau.
E lá foi o José pegar o elevador de serviço e descer. Da porta de casa ela olhava o ponteiro do elevador chegar ao térreo
Não era tesão o que ela sentia. A sensação de prazer não era sexual. Era uma sensação de vida, de que ela podia viver e não fazer parte da vida que ela mesma se impusera.
Voltou pra casa, foi até a cozinha, pegou o pó de café, colocou água na cafeteira. Alguns minutos depois tomou o café sentada na mesa da sala. Com um sorriso no rosto pensou que no dia seguinte ia aproveitar o horário de almoço pra comprar um vestido novo. Rosa talvez.
divagações concretas concretudes abstratas
e um copo vazio está
cheio de ar
cheio de ar
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eu?
- tatá.
- to correndo.sempre pressa.meio atrasado.ligação perdida.olhar atento.desculpa o atraso.to indo embora.quer carona?aqui desse lado,aqui..assim mesmo.meu fluminense e meus desejos.um beijo do seu.eu aqui em qualquer lugar aqui, espaço pra vazão a idéias. ficção criando uma verdade pseudo pessoal. "eu quero uma verdade inventada"
leia me
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