vamos então em busca de um olhar de verdade
as palavras já não te falam mais
a dificuldade de se saber falível,mortal e ansioso
o desejo de ser e não ser
então paramos,sentamos no banco da praça e pedimos um algodão doce
de mãos dadas passeávamos como se o mundo estivesse em paz. india e irã
uma criança no carrinho comia lambuzada um milho
barulho de passarinho cantando e céu azul
queriam almoçar na casa da mãe,sexta feira em casa, ir ao cinema com pipoca,andar de pedalinho
um laguinho verde e um casal tentando reviver a história dos
enamorados que ja não moram mais aqui
:
divagações concretas concretudes abstratas
e um copo vazio está
cheio de ar
cheio de ar
30.11.08
ícaro e o sábado
a mulher abismo anda a solta
inalcançavel
ledo engano tentar domá-la
ela sabe o quanto vale
do alto do abismo, ela abre uma cadeira de praia,serve-se de óculos escuros.
lá do alto ela te mostra uma rosa vermelha lá
embaixo.muito lá embaixo
ela comenta sem querer que a coisa que mais deseja é aquela flor vermelho-coração
pega pra mim - fala no ouvido do cara deixando sem querer a língua enconstar na orelha
e o cara com toda disposição,sem pestanejar,vai
sentindo-se o superherói sem capa que vai salvar a donzela
enquanto o cara vai, ela pede um martini, se ajeita na cadeira,arruma os óculos e ri orgulhosa
ela sabe do desejo do homem de voar,
sem querer, ela sabe
:
29.11.08
lei áurea
liberdade é pouco,o que eu desejo ainda não tem nome
clarice
liberdade demais atrapalha
dizia o filósofo
liberdade nunca é demais
dizia o detento
liberdade demais é ditadura
disse o solteiro
liberdade pra ser boa, tem de ser controlada
dizia o prefeito
liberdade quas sera tamen
dizia o mártir
liberdade ainda que tardia, mas liberdade
dizia o escravo
liberdade é o caralho
dizia a casa grande
a liberdade é a minha justiça
dizia o preso injustamente
liberdade é querer estar preso
dizia o apaixonado
liberdade é acreditar sinceramente
dizia a menina adolescente
liberdade era escrever sem ter de acertar
:
liberdade é pouco,o que eu desejo ainda não tem nome
clarice
liberdade demais atrapalha
dizia o filósofo
liberdade nunca é demais
dizia o detento
liberdade demais é ditadura
disse o solteiro
liberdade pra ser boa, tem de ser controlada
dizia o prefeito
liberdade quas sera tamen
dizia o mártir
liberdade ainda que tardia, mas liberdade
dizia o escravo
liberdade é o caralho
dizia a casa grande
a liberdade é a minha justiça
dizia o preso injustamente
liberdade é querer estar preso
dizia o apaixonado
liberdade é acreditar sinceramente
dizia a menina adolescente
liberdade era escrever sem ter de acertar
:
26.11.08
duas bocas transcendendo e virando uma
os olhos que se hipnotizam solidários
as mãos que percorrem a sinuosa estrada do corpo. tato pulsante
te amo sussurrado no ouvido em loop recíproco
o suor descomportado já. cumplicidade sem pudor
aquele momento de só abraçar
calar
respirar e ser respirado,
em silêncio
24.11.08
.e a vontade de acelerar
da infância vem as melhores lembranças.
por mais que voltemos agora a andar do que eu chamo de carrinho bate bate,aquele sorriso ingênuo, aquela gargalhada descomportada,aquele olhar a procura do próximo carrinho pra bater,aquele vento na cara despreocupado,aquela vontade de só acelerar. por mais que tentemos, não dá.a ingênuidade acabou.que bom que nos restam as fotos e toda lembrança.e aquele olhar da mãe em pé olhando todo esse banquete de momentos únicos.
*se pelo menos não vivêssemos tentando ser felizes,
até que poderíamos nos divertir bastante
edith warthon
por mais que voltemos agora a andar do que eu chamo de carrinho bate bate,aquele sorriso ingênuo, aquela gargalhada descomportada,aquele olhar a procura do próximo carrinho pra bater,aquele vento na cara despreocupado,aquela vontade de só acelerar. por mais que tentemos, não dá.a ingênuidade acabou.que bom que nos restam as fotos e toda lembrança.e aquele olhar da mãe em pé olhando todo esse banquete de momentos únicos.
*se pelo menos não vivêssemos tentando ser felizes,
até que poderíamos nos divertir bastante
edith warthon
20.11.08
www.divagaçõesapenas.blogspot.com
a questão é:estamos no início ou no fim?
onde é o início?
onde é o fim?
não sei essas respostas.
penso que estamos no meio.
no meio do nada que se instaura
de tempos em tempos
gorete lins
por que ela aos dez já deu
por que ela aos quinze ja tomou tiro e morreu por paixão doentia
por que aos sete o pai e a madastra,jogaram-na pela janela e negaram
por que aos vinte quatro ela casou e chamou a imprensa pra cobrir
por que aos trinta ela se entope de remédio e é isso mesmo
porque aos trinta e um ela faz duas cirgurgias plásticas, a neta uma
por que ela não teve educação. na porrada,resolve assim
por que aos dezesete anos ela fazia o segundo aborto
por que ela nunca teve bom senso.dinheiro,resolve assim
por que ela perdeu o tio assassinado,chefe de milicia e vereador
por que um primo afegão morreu dormindo com cantigas de ninar
por que ela tava de saco cheio de trabalhar em loja
por que o time dela nunca foi campeão de porra nenhuma
por que aos doze sentiu um puta prazer em matar um pombo
por que ela sempre quis uma estrela como animal de estimação
por que os países pra ela são só mapas e WAR aos desesseis anos
por que ela matou os avós e depois se arrependeu,mas acusou o namorado
por que ela namorou o menino que matou no cinema
por que ela matou um traveco e foi ao cinema
por que ela tem roupas dolce gabana,é uma mulher moderna, descolada e completamente integrada com a cultura pop.ela bebe dois ou três uísques.fuma cigarro todo dia,dois maços.tem uma amiga sincera.quando anda,tende levemente pra esquerda.tem mania de perseguição,as vezes.frequenta um clube de campo.tem esperança de ser feliz um dia
:
a questão é:estamos no início ou no fim?
onde é o início?
onde é o fim?
não sei essas respostas.
penso que estamos no meio.
no meio do nada que se instaura
de tempos em tempos
gorete lins
por que ela aos dez já deu
por que ela aos quinze ja tomou tiro e morreu por paixão doentia
por que aos sete o pai e a madastra,jogaram-na pela janela e negaram
por que aos vinte quatro ela casou e chamou a imprensa pra cobrir
por que aos trinta ela se entope de remédio e é isso mesmo
porque aos trinta e um ela faz duas cirgurgias plásticas, a neta uma
por que ela não teve educação. na porrada,resolve assim
por que aos dezesete anos ela fazia o segundo aborto
por que ela nunca teve bom senso.dinheiro,resolve assim
por que ela perdeu o tio assassinado,chefe de milicia e vereador
por que um primo afegão morreu dormindo com cantigas de ninar
por que ela tava de saco cheio de trabalhar em loja
por que o time dela nunca foi campeão de porra nenhuma
por que aos doze sentiu um puta prazer em matar um pombo
por que ela sempre quis uma estrela como animal de estimação
por que os países pra ela são só mapas e WAR aos desesseis anos
por que ela matou os avós e depois se arrependeu,mas acusou o namorado
por que ela namorou o menino que matou no cinema
por que ela matou um traveco e foi ao cinema
por que ela tem roupas dolce gabana,é uma mulher moderna, descolada e completamente integrada com a cultura pop.ela bebe dois ou três uísques.fuma cigarro todo dia,dois maços.tem uma amiga sincera.quando anda,tende levemente pra esquerda.tem mania de perseguição,as vezes.frequenta um clube de campo.tem esperança de ser feliz um dia
:
da luta de classes
(deixe seu recado após o bip
ou terror e café puro)
ele e ela jã não se suportavam
durante o dia todo, pensava sobre aquilo
não atendeu telefone,ligou a secretária eletrônica
já não aguentava aquela situação
queria se ver livre de tudo aquilo
faltava coragem de
(deixe seu recado após o bip
ou terror e café puro)
ele e ela jã não se suportavam
durante o dia todo, pensava sobre aquilo
não atendeu telefone,ligou a secretária eletrônica
já não aguentava aquela situação
queria se ver livre de tudo aquilo
faltava coragem de
de noite pensava olhando um poster:deus e o diabo na terra do sol
custava dormir. notívago.
vagava em casa, as vezes uma caminhada pelo quateirão,cerveja na mão
na quietude de casa, cigarro aceso e reflexões
ela olhou com cara de poucos amigos
ele nem amizade queria mais
ainda sentiam uma coisa um pelo outro. o que era não sei
ela gritava,
berrava verdades que ele não queria crer
ele imóvel,sentado numa poltorna,suava e cigarro aceso
ela o pegou pelos colarinhos_sacudiu-o
ele virou uma chave dentro do peito
terror e café puro
um tiro certeiro no peito.
se ajeitou na poltrona,se serviu de café
e enfim, conseguiu desligar a porra da televisão
:
17.11.08
poema de pé molhado e o dia que o paulinho me tocou
quando chove,
eu chovo
leminski
por que as vezes chove
e dá saudade
ainda tem os filmes itlianos
e dá saudade
os olhos boiando sem derramar
o arrependimento
vale a pena ver de novo,natalia timberg
outra música e a chuva não pára
e dá saudade
os pés molhados,sapatos e meias
na cabeça,um boné verde e uma certa menina
o dia que o paulinho me tocou
chuva.saudade.ela povoando meus pensamentos.um ônibus amarelo parado.engarrafou a chuva.saudade das tardes de chuva.das manhãs e das noites,um só.lua cheia.o paulinho cantou no meu ouvido.o olho não aguentou,sucumbiu.diminuiu o volume do
i pod.sentiu-se olhado.que vergonha,todo mundo vendo o cara chorar ali sozinho.solidário a chuva.
trilha sugerida
pensando em você
paulinho moska
:
quando chove,
eu chovo
leminski
por que as vezes chove
e dá saudade
ainda tem os filmes itlianos
e dá saudade
os olhos boiando sem derramar
o arrependimento
vale a pena ver de novo,natalia timberg
outra música e a chuva não pára
e dá saudade
os pés molhados,sapatos e meias
na cabeça,um boné verde e uma certa menina
o dia que o paulinho me tocou
chuva.saudade.ela povoando meus pensamentos.um ônibus amarelo parado.engarrafou a chuva.saudade das tardes de chuva.das manhãs e das noites,um só.lua cheia.o paulinho cantou no meu ouvido.o olho não aguentou,sucumbiu.diminuiu o volume do
i pod.sentiu-se olhado.que vergonha,todo mundo vendo o cara chorar ali sozinho.solidário a chuva.
trilha sugerida
pensando em você
paulinho moska
:
15.11.08
14.11.08
4.
- só queria uma cerveja e alguém
que segurasse a minha mão
(uma viagem por mais curta que seja,cansa!)
2.
eu ja tô em outro mundo.
choque elétrico]
eu ja tô em outro mundo?
de novo e mais forte]
(o sufocado que respira)
renascia
1.
como quem acorda de um sonho com uma vontade quase incontrolável de uma sexta feira e todo pacote disso.ver gente.se sentir gente.parte integrante de alguma coisa.qualquer.e algumas cervejas
3.
abriu os olhos e não viu ninguém
:
- só queria uma cerveja e alguém
que segurasse a minha mão
(uma viagem por mais curta que seja,cansa!)
2.
eu ja tô em outro mundo.
choque elétrico]
eu ja tô em outro mundo?
de novo e mais forte]
(o sufocado que respira)
renascia
1.
como quem acorda de um sonho com uma vontade quase incontrolável de uma sexta feira e todo pacote disso.ver gente.se sentir gente.parte integrante de alguma coisa.qualquer.e algumas cervejas
3.
abriu os olhos e não viu ninguém
:
11.11.08
9.11.08
da série:contos reunidos
apenas uma história comum
Quando tudo começou ninguém tentou inibir nenhuma sensação. Aos poucos as cores foram tomando corpo e se transformando em contrastes que ofuscavam a consciência ainda entre aberta
A fenda na porta estava anunciando que algo estava por chegar. Mas não se exalte amigo leitor, nessa historia nada vai surpreendê-lo. Espere, já vou contar o que aconteceu.
Não espere nada que vá transformar a sua vida, não espere que nada de extraordinário aconteça dentro de você.
Pois bem, a fenda da porta entre aberta não te causará surpresa, não te deixará ansioso, não causará nada. Apenas uma história comum. Simples e verdadeira.
O vento soprava alto pela fenda de uma das janelas da sala. O som estridente fez com que a moça deitada no sofá acordasse. Ela dormia compulsivamente, fazia da vida uma eterna repetição sem sentido e sem emoção. Chagava do trabalho e ia direto pro prato de sopa, um copo com água gelada, um pão com manteiga e depois o esperado sofá. Deitava e de lá assistia – as primeiras notícias, apenas – o Jornal Nacional e dormia o sono dos justos.
Naquele dia o som do vento a acordou. Ela abriu os olhos, limpou o canto da boca, foi ao banheiro, lavou o rosto, pegou os óculos na mesinha da sala, repleta de elefantinhos, pequenas xícaras de porcelana e três ou quatro cinzeiros devidamente limpos. Ela nunca fumou. - Deixava ali os cinzeiros caso alguém quisesse fumar, embora nunca recebesse visitas. A não ser uns tempos em que ela teve um flerte com um corretor de seguros. O romance acabou por que o homem roubou umas jóias que ela tinha. - Uma propaganda na televisão chamou sua atenção, mas um grande e gostoso bocejo a fez rapidamente se desligar do aparelho. Não, ela não desligou a televisão, só não tinha mais foco. Agora sua atenção voltava-se pro quarto. Ela percebeu por uma fenda na porta a luz acesa. Olhou pra mesa de jantar, redonda com uma toalha com desenhos de temática portuguesa. Uns galos pretos e verdes. Em cima a mesa, o prato de sopa vazio, migalhas de pão, o copo de água pela metade. Na cadeira, quando olhou de soslaio percebeu que suas roupas - as que tinha chegado do trabalho – estavam todas lá.
Rapidamente pensou: eu não entrei no quarto.
Estacou de medo. Na cabeça milhões de pensamentos corriam. Pensou em ligar pra policia, pensou em invadir o quarto, pensou em muitas coisas. Correu pra cozinha e interfonou ao porteiro. Pediu que ele subisse depressa. Na porta, a mulher de camisola rosa puída pelo tempo e pelo sofá. O porteiro cujo nome ela nem sabia, na porta parecia tranqüilo de que tudo estava certo. Ela explicou rapidamente a situação pro porteiro que se apresentou José. Ele temeroso, depois de toda a história que ela tinha contado, foi caminhando lentamente na direção do quarto. Colocou o ouvido na parede por alguns segundos. Nada. Em silêncio balançou a cabeça pra ela. Ela não parecia estar contente e apontou pro quarto. Ele colocou o ouvido na porta do quarto e de lá ouviu-se um barulho. Parecia um barulho de cão, ou algum rosnado parecido. Ela quis gritar, mas se conteve por que José colocava a mão pra calar-lhe a boca. Ainda ocultando sua voz, José mais uma vez aproximou o ouvido da porta. Outro rosnado.
A essa altura ela não se preocupava mais com o barulho, não se interessava tanto com o que acontecia no seu quarto. O coração dela batia acelerado, mas agora, não mais pela interrogação que habitava seu quarto. Aquela mão na boca, aquele toque de uma mão masculina nos lábios faziam-na relembrar tempos em que a vida não era só uma eterna repetição enfadonha. Reprise de noites, de cochilos no sofá. Aquela mão a fez recordar os banhos de chuva, as bebedeiras as terças feiras sem motivo, os tempos que pulava corda na escola, os amigas, a filha, a alegria, enfim... a vida. Há muito tempo não sentia aquele frio na barriga, há tempos não sentia as mãos suar. Ela pensou em mil coisas impublicáveis.
- Acho que é um Morcego. José falou aos sussurros.
- O que?
- Um morcego. A senhora deixou a janela aberta?
Depois de uns dez segundos ou mais ela entendeu sobre o que ele falava.
- É, talvez.
José entrou pelo quarto, devagar foi pra debaixo da cama.
Ela ficou parada olhando o homem entrar embaixo da cama e salvar a donzela indefesa do dragão que habitava sua torre. Experimentava uma sensação desconhecida, pensava ou repensava toda sua vida.
Incrível como em apenas um momento, refletimos uma vida inteira de escolhas.
De repente um vulto passou por ela, bateu no armário e enfim voou pela janela aberta.
Consegui. José deixava escapar um sorriso orgulhoso da vitória.
Ela olhava pra ele com olhos marejados.
- Muito obrigada!
- Até.
José se dirigiu a porta, ela ainda pensou em pedir pra ele ficar, mas não o fez. Da porta José apenas naquele momento percebeu a camisola que ela usava. Ela também percebeu que ele notara. Os dois se olharam num clima que não sabiam bem o que era.
- A senhora não quer me oferecer um café? José dizia em tom envergonhado.
Ela parou, respirou fundo.
- Não. Eu tô sem pó.
- Ta. Tchau. Desculpa.
- Nada José. Nada.
- Boa noite.
E lá foi o José pegar o elevador de serviço e descer. Da porta de casa ela olhava o ponteiro do elevador chegar ao térreo
Não era tesão o que ela sentia. A sensação de prazer não era sexual. Era uma sensação de vida, de que ela podia viver e não apenas fazer parte da vida que ela mesma se impusera.
Trancou a porta, foi até a cozinha, pegou o pó de café, colocou água na cafeteira. Alguns minutos depois tomou o café sentada na mesa da sala. Com um sorriso no rosto pensou que no dia seguinte ia aproveitar o horário de almoço pra comprar um vestido novo. Rosa, talvez.
:
Quando tudo começou ninguém tentou inibir nenhuma sensação. Aos poucos as cores foram tomando corpo e se transformando em contrastes que ofuscavam a consciência ainda entre aberta
A fenda na porta estava anunciando que algo estava por chegar. Mas não se exalte amigo leitor, nessa historia nada vai surpreendê-lo. Espere, já vou contar o que aconteceu.
Não espere nada que vá transformar a sua vida, não espere que nada de extraordinário aconteça dentro de você.
Pois bem, a fenda da porta entre aberta não te causará surpresa, não te deixará ansioso, não causará nada. Apenas uma história comum. Simples e verdadeira.
O vento soprava alto pela fenda de uma das janelas da sala. O som estridente fez com que a moça deitada no sofá acordasse. Ela dormia compulsivamente, fazia da vida uma eterna repetição sem sentido e sem emoção. Chagava do trabalho e ia direto pro prato de sopa, um copo com água gelada, um pão com manteiga e depois o esperado sofá. Deitava e de lá assistia – as primeiras notícias, apenas – o Jornal Nacional e dormia o sono dos justos.
Naquele dia o som do vento a acordou. Ela abriu os olhos, limpou o canto da boca, foi ao banheiro, lavou o rosto, pegou os óculos na mesinha da sala, repleta de elefantinhos, pequenas xícaras de porcelana e três ou quatro cinzeiros devidamente limpos. Ela nunca fumou. - Deixava ali os cinzeiros caso alguém quisesse fumar, embora nunca recebesse visitas. A não ser uns tempos em que ela teve um flerte com um corretor de seguros. O romance acabou por que o homem roubou umas jóias que ela tinha. - Uma propaganda na televisão chamou sua atenção, mas um grande e gostoso bocejo a fez rapidamente se desligar do aparelho. Não, ela não desligou a televisão, só não tinha mais foco. Agora sua atenção voltava-se pro quarto. Ela percebeu por uma fenda na porta a luz acesa. Olhou pra mesa de jantar, redonda com uma toalha com desenhos de temática portuguesa. Uns galos pretos e verdes. Em cima a mesa, o prato de sopa vazio, migalhas de pão, o copo de água pela metade. Na cadeira, quando olhou de soslaio percebeu que suas roupas - as que tinha chegado do trabalho – estavam todas lá.
Rapidamente pensou: eu não entrei no quarto.
Estacou de medo. Na cabeça milhões de pensamentos corriam. Pensou em ligar pra policia, pensou em invadir o quarto, pensou em muitas coisas. Correu pra cozinha e interfonou ao porteiro. Pediu que ele subisse depressa. Na porta, a mulher de camisola rosa puída pelo tempo e pelo sofá. O porteiro cujo nome ela nem sabia, na porta parecia tranqüilo de que tudo estava certo. Ela explicou rapidamente a situação pro porteiro que se apresentou José. Ele temeroso, depois de toda a história que ela tinha contado, foi caminhando lentamente na direção do quarto. Colocou o ouvido na parede por alguns segundos. Nada. Em silêncio balançou a cabeça pra ela. Ela não parecia estar contente e apontou pro quarto. Ele colocou o ouvido na porta do quarto e de lá ouviu-se um barulho. Parecia um barulho de cão, ou algum rosnado parecido. Ela quis gritar, mas se conteve por que José colocava a mão pra calar-lhe a boca. Ainda ocultando sua voz, José mais uma vez aproximou o ouvido da porta. Outro rosnado.
A essa altura ela não se preocupava mais com o barulho, não se interessava tanto com o que acontecia no seu quarto. O coração dela batia acelerado, mas agora, não mais pela interrogação que habitava seu quarto. Aquela mão na boca, aquele toque de uma mão masculina nos lábios faziam-na relembrar tempos em que a vida não era só uma eterna repetição enfadonha. Reprise de noites, de cochilos no sofá. Aquela mão a fez recordar os banhos de chuva, as bebedeiras as terças feiras sem motivo, os tempos que pulava corda na escola, os amigas, a filha, a alegria, enfim... a vida. Há muito tempo não sentia aquele frio na barriga, há tempos não sentia as mãos suar. Ela pensou em mil coisas impublicáveis.
- Acho que é um Morcego. José falou aos sussurros.
- O que?
- Um morcego. A senhora deixou a janela aberta?
Depois de uns dez segundos ou mais ela entendeu sobre o que ele falava.
- É, talvez.
José entrou pelo quarto, devagar foi pra debaixo da cama.
Ela ficou parada olhando o homem entrar embaixo da cama e salvar a donzela indefesa do dragão que habitava sua torre. Experimentava uma sensação desconhecida, pensava ou repensava toda sua vida.
Incrível como em apenas um momento, refletimos uma vida inteira de escolhas.
De repente um vulto passou por ela, bateu no armário e enfim voou pela janela aberta.
Consegui. José deixava escapar um sorriso orgulhoso da vitória.
Ela olhava pra ele com olhos marejados.
- Muito obrigada!
- Até.
José se dirigiu a porta, ela ainda pensou em pedir pra ele ficar, mas não o fez. Da porta José apenas naquele momento percebeu a camisola que ela usava. Ela também percebeu que ele notara. Os dois se olharam num clima que não sabiam bem o que era.
- A senhora não quer me oferecer um café? José dizia em tom envergonhado.
Ela parou, respirou fundo.
- Não. Eu tô sem pó.
- Ta. Tchau. Desculpa.
- Nada José. Nada.
- Boa noite.
E lá foi o José pegar o elevador de serviço e descer. Da porta de casa ela olhava o ponteiro do elevador chegar ao térreo
Não era tesão o que ela sentia. A sensação de prazer não era sexual. Era uma sensação de vida, de que ela podia viver e não apenas fazer parte da vida que ela mesma se impusera.
Trancou a porta, foi até a cozinha, pegou o pó de café, colocou água na cafeteira. Alguns minutos depois tomou o café sentada na mesa da sala. Com um sorriso no rosto pensou que no dia seguinte ia aproveitar o horário de almoço pra comprar um vestido novo. Rosa, talvez.
:
partículas
pequenas partículas
as pequenas coisas
os pequenos problemas
as pequenas mentiras
pequenas partículas
as pequenas coisas
os pequenos problemas
as pequenas mentiras
as pequenas inverdades
as pequenas rusgas
pequenas rugas
as paixões pequenas
as coisinhas pequenas que tal qual neve morro abaixo,
vira bola
as pequenas desilusões
os pequenos recomeços
as dores das pequenas relações
das pequenas visitas
dos pequenos dias da semana
dos pequenos gritos no silencioso as duas e pouco,madrugada
um pequeno lugar pra estar
:
:
7.11.08
um poema se faz pesado aqui
no meu ombro, nas minhas olheiras
dor nas costas, esse poema,
essa cadeira
.
um poema se faz leve como um sorriso de
criança que ganha um brinquedo novo
querendo correr, gritar não sabe o que
a felicidade incontida
.
um poema,
explosão de coisas que não dá pra explicar
ópio de enternecer os olhos
:
5.11.08
prometera não mais comprar cuecas
assinou um abaixo assinado contra a limpeza urbana
queria andar nu de ipanema até a gávea
não queria saber de chocolate, leite condensado, picolé de limão e pingo de leite
dizem que vagava a noite, cigarro aceso, declamando poesias soltas pela orla
quando o dia, os primeiros raios o acordavam, comia bolo ana maria e café puro
dizia aos vizinhos que não era dessa cidade,desse país, quiçá desse planeta
comentava com os porteiros planos infalíveis contra o sistema
dizia-se apolítico
tinha pena das moças magras das revistas: sorrisos pré fabricados,bocas e caras
guardava em casa, uma caixa com fotos antigas
tinha mania de colecionar latas de cerveja
não comprava isqueiros,só usava fósforos
sentia saudade de muita gente e de uma certa menina
não gostava de multidão
nutria intimamente, desejo de se apaixonar,
só não admitia
precisava comprar uma cafeteira pras manhãs
e um cinzeiro pras dores de amar e
não
:
3.11.08
1.11.08
uma parte de mim é todo mundo:outra parte é ninguém:fundo
sem fundo.
uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
uma parte de mim pesa,pondera:outra parte delira.
uma parte de mim almoça e janta:outra parte se espanta.
uma parte de mim é permanente:outra parte se sabe de repente.
uma parte de mim é só vertigem:outra parte,linguagem.
traduzir uma parte na outra parte
que é uma questão de vida ou morte
será arte?
ferreira gullar.
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eu?
- tatá.
- to correndo.sempre pressa.meio atrasado.ligação perdida.olhar atento.desculpa o atraso.to indo embora.quer carona?aqui desse lado,aqui..assim mesmo.meu fluminense e meus desejos.um beijo do seu.eu aqui em qualquer lugar aqui, espaço pra vazão a idéias. ficção criando uma verdade pseudo pessoal. "eu quero uma verdade inventada"
leia me
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