poema do menino jesus
Num meio-dia de fim de primavera eu tive
um sonho como
uma fotografia: eu vi Jesus Cristo
descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas
era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora, e a
rir de modo a
ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso
demais pra
fingir-se Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que DEUS estava dormindo e o
Espírito Santo
andava a voar, Ele foi até a caixa dos
milagres e
roubou três.
Com o primeiro Ele fez com que ninguém
soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se
criou
eternamente humano e menino; e com o
terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e
deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo
às outras.
Depois Ele fugiu pro Sol e desceu pelo
primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo.
É uma criança bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito,
chapinha nas poças
d'água, colhe as flores, gosta delas,
esquece.
Atira pedras nos burros, colhe as frutas nos
pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente
acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam
as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo.
Ele me ensinou a olhar para as coisas.
Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são
engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na
companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos
juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita
e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como
convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o
Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la
cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele
ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de
ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para
dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano
e todo
materno
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele
acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena
pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas,
sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o
mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro
da Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser,
cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para
eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.
fernando pessoa
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